Decio Machado
miércoles, 16 de septiembre de 2015
Equador: Correa abandonou projeto de mudança profunda no país, diz ex-assessor de presidente
Lamia Oualalou | Rio de Janeiro - 15/09/2015
Opera Mundi
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/41502/equador+correa+abandonou+projeto+de+mudanca+profunda+no+pais+diz+ex-assessor+de+presidente.shtml
Morador de Quito, Decio Machado trabalha em vários meios de comunicação na Europa e na América Latina e foi assessor de Rafael Correa, antes de deixar o cargo em 2010 e virar um crítico do governo
O Equador é o palco, há semanas, de uma série nacional de protestos convocada por sindicatos e movimentos sociais, entre os quais vários grupos indígenas. Enquanto o presidente Rafael Correa diz que os atos são organizados por “certos grupos” e que considera legitimo responder “pela força”, muitas vozes denunciaram uma escalada na repressão. É o caso do consultor e analista político de origem hispano-brasileira Decio Machado. Morador de Quito, ele trabalha em vários meios de comunicação na Europa e na América Latina. Foi assessor de Rafael Correa durante os dois primeiros anos de mandato, antes de deixar o cargo em 2010 e virar um crítico do governo.
Em entrevista a Opera Mundi, ele considera que o governo “cruzou uma linha com o nível desproporcional de violência utilizada pelas forças de segurança do Estado contra os manifestantes”. Segundo Machado, a chamada “Revolução cidadã” de Rafael Correa abandonou qualquer projeto de mudança profunda do país. A capacidade de comunicação do presidente é o que, para ele, explica como Correa ainda se mantém no poder nove anos após sua primeira eleição.
Decio Machado foi assessor de Rafael Correa durante dois anos, após os quais saiu do governo e virou crítico do presidente
Opera Mundi: Indígenas, sindicalistas e outros setores da sociedade se mobilizam contra projetos de lei do governo. Qual é sua percepção sobre a reação do presidente Rafael Correa?
Em 13 de agosto, o movimento indígena e vários sindicatos convocaram conjuntamente uma mobilização indefinida, com uma longa lista de exigências. O principal objetivo é a oposição a uma série de reformas constitucionais promovidas pelo governo que buscam limitar os direitos de participação e de consulta dos cidadãos, militarizar a segurança pública, eliminar o direito de criar sindicatos nos serviços públicos e permitir a reeleição indefinida do presidente.
As pesquisas de opinião indicam que uma maioria significativa da sociedade equatoriana é contra essas medidas e quer ser consultada sobre o assunto. O governo, ciente de que perderia se as reformas fossem submetidas a um referendo, pretende adotar essas reformas no Legislativo, onde ainda tem maioria.
Eu acho que o presidente Correa cruzou uma linha que, durante os últimos protestos, com o nível desproporcional de violência utilizada pelas forças de segurança do Estado contra os manifestantes, causou centenas de feridos e a detenção de 95 civis. Os prisioneiros são indígenas, camponeses e membros de organizações sociais. Para nós, que nos consideramos de esquerda, não existe nenhum tipo de justificativa para o exercício da repressão estatal contra setores sociais que têm sido, historicamente, e continuam a ser, marginalizados em nossa sociedade.
OM: O senhor trabalhou como assessor do presidente Correa durante os dois primeiros anos de seu primeiro mandato. Por que deixou o cargo?
O governo do presidente Correa teve o apoio de muitas pessoas que vieram da militância política de esquerda. No entanto, apareceram rapidamente contradições entre o discurso revolucionário e uma prática antagônica. Naquele momento, fiz parte de um grupo que entendia que estávamos diante de um governo em disputa entre as tendências mais transformadoras e setores que respondiam a lógicas modernizadoras do grande capital. Eles acabaram ganhando. Por razões de coerência e de ética, muitos foram gradualmente abandonando a colaboração com o governo. No meu caso, eu deixei meu cargo de assessor no início de 2010.
OM: Como foi o impacto da chamada “Revolução Cidadã” introduzida por Rafael Correa? Como mudou o país?
Eu acho que o processo político patrocinado pelo “correísmo”, que não tem nada de revolucionário, teve um papel necessário para a modernização tecnológica e econômica. Com lógicas neodesenvolvimentistas, Correa modernizou o Estado, melhorou a infraestrutura pública, adequando o país à realidade de um mundo globalizado.
Este desenvolvimento foi possível graças ao boom dos preços das commodities. O governo do presidente Correa é o que teve mais recursos na história do Equador. Pessoalmente, acho que esta fase de transição para a modernização do país acabou, como também acabou o ciclo de prosperidade econômica que temos visto na região. O governo continua negando a gravidade da crise. No entanto, já fez muitos cortes no orçamento, demitindo funcionários públicos e acabando com novos programas de investimentos. Enquanto isso, a dívida externa está crescendo de maneira assustadora. Isso provoca um forte desgaste do governo. Vamos ver se ele consegue emplacar de novo nas eleições presidenciais e legislativas em fevereiro de 2017, mas já fica claro que ele perdeu o apoio maciço das classes populares que tinha antes.
OM: Em fevereiro de 2013, o presidente Rafael Correa conquistou um novo mandato com larga vantagem e ainda no primeiro turno. Em quase nove anos no poder, que tipo de relação ele estabeleceu com a população?
Eu diria que é um poder neopopulista. A sua legitimidade está baseada em um discurso centrado no povo, buscando uma forte reação emocional deste público. É um novo estilo de representação político-eleitoral que reproduz o velho: os caciques, o paternalismo, as estruturas sociais hierárquicas, o desmantelamento das organizações sociais autônomas, e a subordinação da sociedade ao poder político.
OM: No entanto, o governo se define como progressista. Qual é sua avaliação?
O “correísmo” é simplesmente a expressão política do fenômeno da modernização empreendida pelo capital nacional após a crise financeira de 1999 e 2000. Se você analisar os resultados financeiros dos bancos privados e das grandes corporações capitalistas que monopolizam a maioria dos setores da economia equatoriana, vai ver que estão lucrando muito mais agora que na época do neoliberalismo.
OM: Como funciona o aparato institucional no Equador?
Todos os poderes articulam várias formas para se legitimar. Isso gera uma gama muito ampla de ações que vão desde a manipulação psicológica à violência física. No caso do Equador, o governo introduziu um modelo onde a independência entre os poderes do Estado não existe, com um Legislativo e um Judiciário subordinados ao Executivo. Nesse contexto, a interpretação e a aplicação da lei são manipuladas pelo poder político, em nome da “ordem" social. Os movimentos sociais são vistos pelo governo como estratégias políticas para desestabilizá-lo, motivo pelo qual ele acaba criminalizando os protestos.
OM: Como o senhor qualifica as capacidades de comunicação do presidente Rafael Correa?
Ele tem um grande potencial comunicador. Há quase nove anos que Rafael Correa consegue se manter contra toda a mídia privada do país e até mesmo contra alguns meios de comunicação internacionais. Isso não teria sido possível sem este talento de comunicador. No entanto, deve-se notar que a credibilidade do presidente agora está em declínio. Em junho, 53% dos equatorianos diziam não acreditar na palavra dele, segundo as pesquisas. E esta tendência deveria se aprofundar.
OM: O senhor considera o poder de Correa como neopopulista. Qual é o impacto desta visão sobre a comunicação?
O neopopulismo entende a comunicação e mídia exclusivamente como um campo de batalha. Tente subordiná-los, para que virem uma ligação entre o líder e as massas.
Correa rasga os jornais durante suas aparições públicas e define a imprensa privada como corrupta. Agora, uma das 16 emendas constitucionais desejadas pelo governo tem como objetivo tornar a comunicação um serviço público. Isto é uma aberração, porque significa que a comunicação, tal como o abastecimento de água e eletricidade, a educação e a saúde, deveria ser controlada pelo Estado. Enxergar a comunicação como um serviço público atenta contra os princípios de independência e veracidade que temos que exigir dos meios, já que os torna dependentes de interesses do Estado.
OM: Qual é sua visão da mídia pública equatoriana?
De acordo com o Cordicom (Conselho Regulador da Informação e da Comunicação), um órgão teoricamente autônomo, mas composto inteiramente por pessoas ligadas ao governo, existem hoje 61 meios de comunicação nacionais no Equador. Destes, 12 são de propriedade do Estado, ou seja, o maior holding midiático hoje no país esta a serviço do governo. As informações transmitidas são grotescamente tendenciosas a favor do governo. Também funcionam como ferramentas para manter a estratégia oficial do culto à personalidade do presidente Correa, uma verdadeira propaganda.
OM: Como são hoje são os meios alternativos?
A mídia independente é muito minoritária e marginal no Equador. A atual Lei de Comunicações incorporou algumas demandas históricas dos movimentos sociais, como a distribuição equitativa do espectro radioelétrico equatoriano. Esta lei estabelece que 34% das frequências são destinadas a meios de comunicação comunitários, 33% para a mídia privada, e 33% para a mídia pública. Depois de mais de dois anos após a adoção desta lei, a atribuição de frequências para a mídia comunitária não ultrapassa 4%. Isto demonstra a falta de vontade do governo para promover a comunicação comunitária, alternativa e independente.
OM: O senhor falou de estratégia de propaganda do governo. Pode explicar melhor?
A estratégia de marketing e propaganda do governo é bem inovadora, porque usa técnicas empresariais, adaptadas para a comunicação política. Assim foi desenvolvido, com a ajuda de consultores internacionais, um “branding” — uma técnica desenvolvida na área de marketing para a construção de marcas — associado ao nome e a figura de Rafael Correa. Tudo está perfeitamente desenhado e não há espaço para a espontaneidade. Para dar apenas um exemplo, o sistema define o processo político como “Revolução Cidadã”, uma expressão cujas iniciais correspondem com o nome do presidente. A mensagem é clara, a Revolução Cidadã não é um conjunto de ideias ou uma ideologia, é o próprio Rafael Correa.
Essa estratégia de comunicação procura transformar o presidente em um “lovemarks”, uma técnica inovadora usada na publicidade comercial que busca a lealdade dos consumidores em relação a uma marca. Assim, o rosto do presidente Correa aparece em todos os lugares, e sua voz fecha os comerciais das propagandas de todos os ministérios. Chegou a sancionar os meios que deixaram de noticiar alguma de suas viagens fora do país.
OM: De maneira geral, qual é sua visão dos novos regulamentos de mídia adotados em vários países da América do Sul durante a última década?
A liberdade de imprensa na América Latina teve uma existência muito frágil, por razões históricas, o que impediu a construção de uma cultura jornalística independente. A limitação ideológica das oligarquias latino-americanas, assim como a concentração de riqueza em poucas mãos, são elementos que dificultam o pluralismo jornalístico e a informação objetiva.
Os novos regulamentos que foram adotados em muitos dos nossos países têm aspectos positivos. O problema com estas leis, além de perguntas específicas sobre alguns artigos, é como esses governos entendem sua aplicação. Criar uma instituição que fiscaliza a mídia na sua forma de emitir as informações é ótimo. No entanto, se este órgão não for independente do governo, ele acaba sancionando o pensamento crítico, enquanto, do outro lado, a mídia estatal distorce as informações em função dos interesses do poder político, numa impunidade total.
Os chamados governos progressistas latino-americanos não apoiam a construção de uma mídia alternativa, comunitária e independente. Neste sentido, não acredito que estas novas leis têm como finalidade democratizar o acesso para a comunicação e dar voz àqueles que historicamente nunca foram ouvidos em nossos respectivos países.
OM: Qual é a responsabilidade dos meios de comunicação, que muitas vezes atuam como ator político de oposição?
A responsabilidade dos meios de comunicação privados que funcionam como ferramentas ao serviço da oposição política é exatamente a mesma que a dos meios de comunicação públicos ao serviço dos interesses políticos de seus respectivos governos. Ambos não cumprem um objetivo de interesse social, já que não transmitem informações precisas e não respeitem o pluralismo de opinião. Ambos acabam aplicando a frase de Winston Churchill, quando ele disse que "a verdade é tão preciosa que deve ser cuidada por um segurança da mentira".
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