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(Quito, Equador), Diretor da Fundação Alternativas Latino-Americanas de Desenvolvimento Humano e Estudos Antropológicos, no Diagonal, de Madri.
Tradução de Ricardo Cavalcanti-Schiel
Rios de tinta correm por toda parte no debate político em moda na América Latina: o chamado “fim de ciclo progressista”. Para além das diferentes opiniões vertidas a respeito, existe um denominador comum em entender que o que aconteceu na Argentina e na Venezuela extravasa o âmbito nacional e tem implicações para toda a região. Isso marca uma diferença substancial entre o processo político latino-americano e o que acontece no resto do planeta.
Como consequência, a mudança de governo na Argentina e a avassaladora derrota sofrida pelo chavismo nas eleições legislativas na Venezuela fizeram com que o progressismo latino-americano passasse a viver momentos de certa desorientação política. Todos os mandatários progressistas do continente, apesar das diferenças existentes entre eles, manifestaram preocupação e tristeza com esses resultados eleitorais, quando não, em alguns casos, até certa cólera.
Em todo o caso, o progressismo regional parece ter conformado um discurso comum para explicar a atual conjuntura. Basicamente, tudo se resumiria ao fato de que assistimos a uma forte ofensiva imperialista, que, por meio de vários e poderosos mecanismos ― apoio econômico a partidos conservadores e ONGs cooptadas, cumplicidade com os meios de comunicação nacionais e internacionais, pressão diplomática estrangeira e ingerência em assuntos internos através de estruturas internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ― tem por objetivo a restauração conservadora no subcontinente. Em resumo, as oligarquias nacionais, com forte apoio externo, buscariam “voltar ao passado”, com a finalidade de anular os avanços sociais conquistados durante o ciclo progressista. Para alcançar seus objetivos, ela teria articulado uma estratégia de desgaste contra os governos “populares” baseada em atacar os seus flancos mais frágeis: insegurança urbana, corrupção, inflação e, em alguns casos, a escassez de produtos no mercado.
No interior do progressismo, certos setores elevam em alguns graus a complexidade da análise. Entendem que, diante da estratégia do “golpe suave” da direita, seria preciso um esforço para identificar as demandas das novas classes médias latino-americanas, e, com certo tom de censura, sugerem que elas não deveriam nunca esquecer que nasceram no calor desses processos.
No entanto, e sem menosprezar as considerações anteriores, a reflexão mais autocrítica e interessante no seio do progressismo provem de um setor ainda francamente minoritário, carente de forma orgânica, que começa a se colocar perguntas que vão além da autoafirmação: será que a propaganda desproporcionada emitida pelos aparelhos governamentais, em lugar de produzir um apego aos dirigentes e a verdades sagradas, não teria começado a saturar e incomodar amplos setores sociais? será que as pessoas não teriam começado a questionar o fato de que toda opinião crítica tivesse que ser qualificada como antidemocrática, golpista e vinculada a interesses estrangeiros? será que a cidadania já não vem há algum tempo reconhecendo que nem toda oposição política é fascista per se, e que as dissidências de esquerda que paulatinamente foram abandonando esses governos não são necessariamente traidoras da revolução? será também que cada vez mais setores sociais não teriam começado a questionar a incapacidade de diálogo e consenso que na verdade se esconde por trás de argumentos como esse de que “quem não está de acordo com o regime que trate de montar um partido e que nos ganhe nas próximas eleições”?
Cenários para o futuro
A década dourada da América Latina (2003-2013), auspiciada pelo boom dos preços das matérias-primas, já é historia. Fica para trás o período no qual a média de crescimento da região era superior a 4%, permitindo que 50 milhões de pessoas saíssem da pobreza e que a classe média crescesse até alcançar mais de 1/3 da população. Foi lindo enquanto durou, mas agora os governos latino-americanos se veem obrigados a tocar suas gestões sem os enormes excedentes que antes desfrutavam. Em poucas palavras, a festa acabou.
Aqui cabe uma reflexão. Se bem que é certo que os governos progressistas implementaram uma bateria de políticas públicas destinadas aos setores mais pobres, também é certo que a força de penetração e obtenção de ganhos do grande capital não se viu afetada durante esse período, apesar da implementação de medidas regulatórias e da cobrança de impostos. Ou seja, melhoraram as condições em que vivem os setores populares sem se confrontar o poder econômico e sua matriz de acumulação.
E aqui chega o drama. Num momento em que o progressismo começa a mostrar certo nível de esgotamento e desgaste político, ninguém sabe o que fazer para atualizar seu projeto, no contexto de uma conjuntura economicamente adversa. Se o êxito do progressismo se baseou na democratização do acesso ao consumo, numa gestão mais eficaz do erário público e na implementação de políticas sociais, são precisamente nesses âmbitos onde mais se começa a sentir o impacto dos atuais cortes orçamentários e a deterioração da capacidade aquisitiva.
Deixo agora a atual pergunta sem resposta que o progressismo latino-americano se faz: Como voltar a seduzir as maiorias sociais com um projeto político que, sem transformar consciências, assentou seu êxito em um festim consumista que agora entra em crise e deixa como resultado níveis preocupantes de endividamento familiar entre os setores mais pobres?
Fim de ciclo?
O tão polemizado fim de ciclo progressista não tem por que carregar com ele a queda de todos os governos progressistas da região. De fato, é difícil imaginar que isso vá acontecer. A mudança de ciclo ou sua continuidade estará determinada pelo tipo de políticas que esses governos implementem nessa nova etapa, o que definirá sobre as costas de quem recairá o peso da crise.
Nesse sentido, cabe indicar que o que se está vendo até agora não é muito alentador. Quando já começam a aparecer indicadores que refletem quedas no nível de emprego, deterioração nas condições laborais de mulheres e jovens, além de indícios de que a informalidade está voltando a crescer por meio da geração de empregos mais precários, a opção tomada pelo progressismo regional ― incluídos os governos considerados mais transformadores ― parece estar sendo a de implementar alianças público-privadas que busquem aliviar a carga fiscal e o setor privado, com o objetivo presumido de fomentar o investimento.
Uma vez mais, tudo parece indicar que a balança voltou a se inclinar para o lado errado. Não será sobre os que mais ganharam durante a bonança que recairá agora o peso da crise…
1 comentario:
Estimado colega
No ha sido un esfuerzo traducir tu artículo de Diagonal. Él es que tiene todo el mérito para ser traducido.
Saludos latinoamericanos
Ricardo C.-S.
( http://unicamp.academia.edu/RicardoCavalcantiSchiel )
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