A guerra de posições, também conhecida como guerra de trincheiras, foi utilizada como tática militar na guerra de secessão dos Estados Unidos e na guerra russo-japonesa, mas adquiriu seu protagonismo mundial a partir do fracasso da ofensiva relâmpago iniciada na Europa pelos alemães em 1914. A estratégia militar de frentes estáveis imobilizou durante anos os exércitos em linhas de trincheiras. Este novo cenário bélico propiciou uma guerra de desgaste, produziu um elevadíssimo número de baixas e arruinou o moral dos soldados que se viam obrigados a lutar durante anos em penosas condições.
Nas passagens mais lendárias dos seus Cadernos do Cárcere, Antônio Gramsci refletiria sobre estas estratégias de guerra, posição e manobra – defendendo esta última como o assalto -, entendendo o Estado como apenas uma trincheira mais avançada do conjunto de fortificações dos setores populares em sua luta pela hegemonia. Gramsci teve de reler Maquiavel para entender que a hegemonia é a capacidade orgânica dos setores dominantes em convencer as maiorias sociais a aceitarem os relatos que justificam e explicam a ordem política.
Por Decio Machado
Correio da Cidadania
A guerra de posições, a disputa pela hegemonia e parte do pensamento estratégico de Gramsci em relação ao funcionamento do poder e o Estado moderno voltaram a tomar atualidade na disputa política existente no Equador.
No final deste mês de outubro, as facções “hard” dos seguidores do ex-presidente Rafael Correa dentro do partido governista, Alianza País – que controla parte importante da direção nacional do mesmo partido – determinou unilateralmente e de forma não regimental a retirada do atual presidente do Equador, Lenin Moreno, da presidência de sua agrupação política e posicionar em seu lugar Ricardo Patiño (que exercia como segundo vice-presidente do partido; já que o primeiro vice-presidente está preso, investigado por corrupção). O objetivo era que se fortalecessem nas trincheiras do aparelho do partido oficialista, com o fim de criar obstáculos às reformas empreendidas pelo atual mandatário e sua equipe de ministros.
A guerra de posições, também conhecida como guerra de trincheiras, foi utilizada como tática militar na guerra de secessão dos Estados Unidos e na guerra russo-japonesa, mas adquiriu seu protagonismo mundial a partir do fracasso da ofensiva relâmpago iniciada na Europa pelos alemães em 1914. A estratégia militar de frentes estáveis imobilizou durante anos os exércitos em linhas de trincheiras. Este novo cenário bélico propiciou uma guerra de desgaste, produziu um elevadíssimo número de baixas e arruinou o moral dos soldados que se viam obrigados a lutar durante anos em penosas condições.
Nas passagens mais lendárias dos seus Cadernos do Cárcere, Antônio Gramsci refletiria sobre estas estratégias de guerra, posição e manobra – defendendo esta última como o assalto -, entendendo o Estado como apenas uma trincheira mais avançada do conjunto de fortificações dos setores populares em sua luta pela hegemonia. Gramsci teve de reler Maquiavel para entender que a hegemonia é a capacidade orgânica dos setores dominantes em convencer as maiorias sociais a aceitarem os relatos que justificam e explicam a ordem política.
A guerra de posições, a disputa pela hegemonia e parte do pensamento estratégico de Gramsci em relação ao funcionamento do poder e o Estado moderno voltaram a tomar atualidade na disputa política existente no Equador.
No final deste mês de outubro, as facções “hard” dos seguidores do ex-presidente Rafael Correa dentro do partido governista, Alianza País – que controla parte importante da direção nacional do mesmo partido – determinou unilateralmente e de forma não regimental a retirada do atual presidente do Equador, Lenin Moreno, da presidência de sua agrupação política e posicionar em seu lugar Ricardo Patiño (que exercia como segundo vice-presidente do partido; já que o primeiro vice-presidente está preso, investigado por corrupção). O objetivo era que se fortalecessem nas trincheiras do aparelho do partido oficialista, com o fim de criar obstáculos às reformas empreendidas pelo atual mandatário e sua equipe de ministros.
Contudo, apenas umas horas depois, vários membros do gabinete presidencial e da burocracia da Alianza País rechaçariam publicamente tal decisão, definindo-a como arbitrária e antidemocrática. Diante da confusão generalizada da militância, simpatizantes e redes clientelistas do partido político hegemônico no Equador, o Tribunal de Garantias Penais deixou – de forma imediata – sem efeito a decisão adotada pela direção nacional do partido, proibindo o Conselho Nacional Eleitoral de inscrever o ex-ministro correísta Ricardo Patiño como novo presidente da Alianza País.
Origens da intentona
O enfrentamento entre correístas e morenistas dentro do partido governista tem sua origem praticamente no mesmo dia da posse do atual presidente, Lenin Moreno.
Isso apesar do fato de que Lenin Moreno foi parte do binômio presidencial de Rafael Correa nas eleições de 2006 e de 2009, exercendo durante ambas legislaturas como vice-presidente da República. Na atualidade, o ex-mandatário equatoriano é o principal opositor do seu governo. Na guerra de trincheiras dentro da Alianza País e nas distintas frentes institucionais, enquanto os partidários de Moreno traçaram uma política de reformas que levam consigo uma narrativa autocrítica a respeito de determinadas políticas públicas aplicadas durante a gestão anterior e a abertura de processos de investigação sobre distintos casos de corrupção institucional, os correístas tentam derrubar a figura do presidente posicionando-o como um traidor que se aliou com a direita.
Nesta disputa que vem ocorrendo nos pouco mais de seis meses de mandato de Moreno, o correísmo – ao menos até agora – aparece como claro perdedor. Enquanto o atual mandatário ostenta elevados índices de popularidade, a figura de Rafael Correa – que deixou uma economia nacional em recessão – acabou seriamente deteriorada, enquanto são destapados cada vez mais casos de corrupção entre os seus colaboradores mais próximos.
O último movimento tático do presidente Moreno foi convocar uma consulta popular sobre as sete propostas, entre as quais se destacam a anulação da emenda constitucional – realizada na última etapa correista – que permite a reeleição indefinida do presidente da República, buscando impossibilitar que Rafael Correa seja candidato presidencial nas próximas eleições; e a reestruturação do Conselho de Participação Cidadã e Controle Social – organismo estatal composto por personalidades ligadas ao ex-presidente – abrindo a possibilidade de avaliar o desempenho das autoridades em organismos de controle do Estado, e cessá-las.
Se aprovadas essas reformas – e todas as sondagens de opinião pública até o momento assim o indicam – o correísmo sofrerá um esvaziamento completo de poder e se anularia qualquer possibilidade futura de uma rearticulação política desta tendência.
E o movimento dos setores correístas dentro da sua organização política, buscando a destituição e posterior expulsão de Lenin Moreno do partido, deve-se justamente à iniciativa do atual governo de levar a cabo tais reformas. Em paralelo, esta fração política está pressionando a Corte Constitucional – cuja composição vem do período anterior e tem afinidade com Correa –, a fim de fazer que tais questões não sejam viabilizadas. De igual maneira, os correístas na bancada oficialista buscam bloquear as iniciativas políticas provenientes do Executivo e o juízo político contra o encarcerado vice-presidente Jorge Glas.
Jogo de estratégias
Sem força política e apoiado somente por um setor de voto duro identificado com seus postulados, o qual se estima entre 20% e 23% do eleitorado, o correísmo é consciente de que o tempo joga contra.
O desenho estratégico do correísmo para tentar destituir Moreno consistia em gerar uma crise política dentro do partido Alianza País que desembocasse em uma convenção nacional extraordinária, a qual, com Rafael Correa à cabeça, permitisse recobrar as rendas do partido e sua hegemonia perdida na política nacional. Contudo, este movimento político criado apenas seis meses antes da sua primeira vitória eleitoral em 2006, e sem bases políticas naquele momento, se construiu verticalmente à sombra do poder, com quadros e caciques políticos de perfil arrivista e fortemente enraizado na tradicional política clientelista equatoriana, elementos que deixaram de ser funcionais ao correísmo uma vez que o ex-mandatário abandonou a poltrona presidencial.
Os resultados deste último pulso político foram devastadores para Rafael Correa: os morenistas anunciaram publicamente que 44 dos 75 congressistas que conformam a bancada oficialista na Assembleia Nacional se alinharam a Lenin Moreno, o que veio a significar que Correa perdeu o controle do Legislativo, enquanto que a maioria das direções provinciais do partido manifestaram rejeição à resolução da direção nacional e seu apoio a Lenin Moreno.
Pese tudo isto, Ricardo Patiño, principal operador político de Correa no país enquanto este segue residindo em Bruxelas, anunciou a pronta chegada do ex-mandatário a terras equatorianas, prevendo que os principais dirigentes correístas que participaram nesta movida podiam ser expulsos pela Comissão de Ética e Disciplina do Alianza País.
Se Rafael Correa volta nos próximos dias ao Equador possivelmente não será para reestabelecer sua liderança no partido que fundou – já que as trincheiras do correísmo no partido e em diferentes instituições têm ficado sumamente debilitadas – senão para liderar a conformação de uma nova organização política buscando confrontar politicamente com o atual governo e opondo-se à consulta popular.
Risco de desgaste
O presidente Moreno soube rentabilizar seu distanciamento de Correa, propondo a necessidade do diálogo e do consenso em uma sociedade que havia ficado fortemente polarizada, e levando a bandeira da luta contra a corrupção. Não obstante, a capacidade de execução política do governo foi limitada: ainda que não se saiba qual seja o caminhar desta legislatura. E ao se tratar de um presidente cuja popularidade se baseia unicamente no discurso, isto começa a gerar certas desconfianças na sociedade.
Por sua parte, tanto Rafael Correa como seus operadores no governo e na Alianza País buscam articular sua estratégia em torno do medo cidadão de uma possível volta do Equador ao passado, algo já utilizado em campanhas eleitorais, uma após a outra, durante a última década.
Trata-se de um argumento pouco consistente se levado em consideração que atualmente no Equador a oposição política a Alianza País não existe. Faz tempo que esta ficou sem espaço no tabuleiro da política nacional. De igual maneira, os movimentos sociais em geral, e indígenas em particular, também ficaram sem voz. Após dez anos de perseguições e criminalização do protesto social, estes movimentos se encontram atualmente imersos em negociações com um governo que ao menos se dispõe a escutá-los.
Assim, o panorama político para o médio prazo no Equador aponta como desolador. Enquanto a Alianza País se autodestrói, nem a oposição conservadora e nem a esquerda tradicional são capazes de posicionar alternativas com certa legitimidade social. A sua vez, o eleitorado é incapaz de distinguir entre as categorias políticas tradicionais de esquerda e de direita, pois logo de uma década de um discurso institucional revolucionário, adornado com velhas canções reivindicativas e alusões a múltiplos mitos revolucionários, resultou que os grupos economicamente mais beneficiados pelo regime foram os de sempre, enquanto a sociedade seguiu muito desequilibrada a favor dos historicamente privilegiados. Assim, denota-se um desinteresse crescente pela política tradicional em setores cada vez mais amplos da sociedade, nos quais a política não é mais discutida em termos de esquerdas e direitas.
Por outra parte, a incapacidade de renovação das lideranças históricas dos movimentos sociais equatorianos segue minando a possibilidade de novas formas de intervenção, a articulação de um discurso diferente e o reposicionamento do não institucional no âmbito da política, ficando esta última limitada às lutas de poder entre e dentro da estrutura partidária, que são disputadas sob o controle de instituições que não foram feitas para transformar a sociedade, senão para resistir às mudanças que a realidade demanda.
Não circulam novas ideias na política equatoriana, e não está sendo alimentada intelectualmente uma sociedade que busca, sem encontrar, estilos diferentes de exercer e atuar na política.
Com tais condições é fácil prever que, diante da ausência de alternativas com alguma credibilidade, se o atual governo não é capaz de concretizar políticas exitosas que dinamizem a economia nacional, gerem emprego digno e revitalizem a capacidade aquisitiva da grande maioria, o Equador estará imerso durante a atual gestão em uma nova crise de representatividade.
Leia também:
Lenín Moreno versus Rafael Correa: a nova disputa de poder no Equador
Vitória do correísmo não fará Equador escapar da regressiva dinâmica continental
Decio Machado é sociólogo e consultor político residente no Equador
Artigo publicado em espanhol no semanário Brecha, do Uruguai.
Traduzido por Raphael Sanz, para o Correio da Cidadania.
A guerra de posições, também conhecida como guerra de trincheiras, foi utilizada como tática militar na guerra de secessão dos Estados Unidos e na guerra russo-japonesa, mas adquiriu seu protagonismo mundial a partir do fracasso da ofensiva relâmpago iniciada na Europa pelos alemães em 1914. A estratégia militar de frentes estáveis imobilizou durante anos os exércitos em linhas de trincheiras. Este novo cenário bélico propiciou uma guerra de desgaste, produziu um elevadíssimo número de baixas e arruinou o moral dos soldados que se viam obrigados a lutar durante anos em penosas condições.
Nas passagens mais lendárias dos seus Cadernos do Cárcere, Antônio Gramsci refletiria sobre estas estratégias de guerra, posição e manobra – defendendo esta última como o assalto -, entendendo o Estado como apenas uma trincheira mais avançada do conjunto de fortificações dos setores populares em sua luta pela hegemonia. Gramsci teve de reler Maquiavel para entender que a hegemonia é a capacidade orgânica dos setores dominantes em convencer as maiorias sociais a aceitarem os relatos que justificam e explicam a ordem política.
A guerra de posições, a disputa pela hegemonia e parte do pensamento estratégico de Gramsci em relação ao funcionamento do poder e o Estado moderno voltaram a tomar atualidade na disputa política existente no Equador.
No final deste mês de outubro, as facções “hard” dos seguidores do ex-presidente Rafael Correa dentro do partido governista, Alianza País – que controla parte importante da direção nacional do mesmo partido – determinou unilateralmente e de forma não regimental a retirada do atual presidente do Equador, Lenin Moreno, da presidência de sua agrupação política e posicionar em seu lugar Ricardo Patiño (que exercia como segundo vice-presidente do partido; já que o primeiro vice-presidente está preso, investigado por corrupção). O objetivo era que se fortalecessem nas trincheiras do aparelho do partido oficialista, com o fim de criar obstáculos às reformas empreendidas pelo atual mandatário e sua equipe de ministros.
Contudo, apenas umas horas depois, vários membros do gabinete presidencial e da burocracia da Alianza País rechaçariam publicamente tal decisão, definindo-a como arbitrária e antidemocrática. Diante da confusão generalizada da militância, simpatizantes e redes clientelistas do partido político hegemônico no Equador, o Tribunal de Garantias Penais deixou – de forma imediata – sem efeito a decisão adotada pela direção nacional do partido, proibindo o Conselho Nacional Eleitoral de inscrever o ex-ministro correísta Ricardo Patiño como novo presidente da Alianza País.
Origens da intentona
O enfrentamento entre correístas e morenistas dentro do partido governista tem sua origem praticamente no mesmo dia da posse do atual presidente, Lenin Moreno.
Isso apesar do fato de que Lenin Moreno foi parte do binômio presidencial de Rafael Correa nas eleições de 2006 e de 2009, exercendo durante ambas legislaturas como vice-presidente da República. Na atualidade, o ex-mandatário equatoriano é o principal opositor do seu governo. Na guerra de trincheiras dentro da Alianza País e nas distintas frentes institucionais, enquanto os partidários de Moreno traçaram uma política de reformas que levam consigo uma narrativa autocrítica a respeito de determinadas políticas públicas aplicadas durante a gestão anterior e a abertura de processos de investigação sobre distintos casos de corrupção institucional, os correístas tentam derrubar a figura do presidente posicionando-o como um traidor que se aliou com a direita.
Nesta disputa que vem ocorrendo nos pouco mais de seis meses de mandato de Moreno, o correísmo – ao menos até agora – aparece como claro perdedor. Enquanto o atual mandatário ostenta elevados índices de popularidade, a figura de Rafael Correa – que deixou uma economia nacional em recessão – acabou seriamente deteriorada, enquanto são destapados cada vez mais casos de corrupção entre os seus colaboradores mais próximos.
O último movimento tático do presidente Moreno foi convocar uma consulta popular sobre as sete propostas, entre as quais se destacam a anulação da emenda constitucional – realizada na última etapa correista – que permite a reeleição indefinida do presidente da República, buscando impossibilitar que Rafael Correa seja candidato presidencial nas próximas eleições; e a reestruturação do Conselho de Participação Cidadã e Controle Social – organismo estatal composto por personalidades ligadas ao ex-presidente – abrindo a possibilidade de avaliar o desempenho das autoridades em organismos de controle do Estado, e cessá-las.
Se aprovadas essas reformas – e todas as sondagens de opinião pública até o momento assim o indicam – o correísmo sofrerá um esvaziamento completo de poder e se anularia qualquer possibilidade futura de uma rearticulação política desta tendência.
E o movimento dos setores correístas dentro da sua organização política, buscando a destituição e posterior expulsão de Lenin Moreno do partido, deve-se justamente à iniciativa do atual governo de levar a cabo tais reformas. Em paralelo, esta fração política está pressionando a Corte Constitucional – cuja composição vem do período anterior e tem afinidade com Correa –, a fim de fazer que tais questões não sejam viabilizadas. De igual maneira, os correístas na bancada oficialista buscam bloquear as iniciativas políticas provenientes do Executivo e o juízo político contra o encarcerado vice-presidente Jorge Glas.
Jogo de estratégias
Sem força política e apoiado somente por um setor de voto duro identificado com seus postulados, o qual se estima entre 20% e 23% do eleitorado, o correísmo é consciente de que o tempo joga contra.
O desenho estratégico do correísmo para tentar destituir Moreno consistia em gerar uma crise política dentro do partido Alianza País que desembocasse em uma convenção nacional extraordinária, a qual, com Rafael Correa à cabeça, permitisse recobrar as rendas do partido e sua hegemonia perdida na política nacional. Contudo, este movimento político criado apenas seis meses antes da sua primeira vitória eleitoral em 2006, e sem bases políticas naquele momento, se construiu verticalmente à sombra do poder, com quadros e caciques políticos de perfil arrivista e fortemente enraizado na tradicional política clientelista equatoriana, elementos que deixaram de ser funcionais ao correísmo uma vez que o ex-mandatário abandonou a poltrona presidencial.
Os resultados deste último pulso político foram devastadores para Rafael Correa: os morenistas anunciaram publicamente que 44 dos 75 congressistas que conformam a bancada oficialista na Assembleia Nacional se alinharam a Lenin Moreno, o que veio a significar que Correa perdeu o controle do Legislativo, enquanto que a maioria das direções provinciais do partido manifestaram rejeição à resolução da direção nacional e seu apoio a Lenin Moreno.
Pese tudo isto, Ricardo Patiño, principal operador político de Correa no país enquanto este segue residindo em Bruxelas, anunciou a pronta chegada do ex-mandatário a terras equatorianas, prevendo que os principais dirigentes correístas que participaram nesta movida podiam ser expulsos pela Comissão de Ética e Disciplina do Alianza País.
Se Rafael Correa volta nos próximos dias ao Equador possivelmente não será para reestabelecer sua liderança no partido que fundou – já que as trincheiras do correísmo no partido e em diferentes instituições têm ficado sumamente debilitadas – senão para liderar a conformação de uma nova organização política buscando confrontar politicamente com o atual governo e opondo-se à consulta popular.
Risco de desgaste
O presidente Moreno soube rentabilizar seu distanciamento de Correa, propondo a necessidade do diálogo e do consenso em uma sociedade que havia ficado fortemente polarizada, e levando a bandeira da luta contra a corrupção. Não obstante, a capacidade de execução política do governo foi limitada: ainda que não se saiba qual seja o caminhar desta legislatura. E ao se tratar de um presidente cuja popularidade se baseia unicamente no discurso, isto começa a gerar certas desconfianças na sociedade.
Por sua parte, tanto Rafael Correa como seus operadores no governo e na Alianza País buscam articular sua estratégia em torno do medo cidadão de uma possível volta do Equador ao passado, algo já utilizado em campanhas eleitorais, uma após a outra, durante a última década.
Trata-se de um argumento pouco consistente se levado em consideração que atualmente no Equador a oposição política a Alianza País não existe. Faz tempo que esta ficou sem espaço no tabuleiro da política nacional. De igual maneira, os movimentos sociais em geral, e indígenas em particular, também ficaram sem voz. Após dez anos de perseguições e criminalização do protesto social, estes movimentos se encontram atualmente imersos em negociações com um governo que ao menos se dispõe a escutá-los.
Assim, o panorama político para o médio prazo no Equador aponta como desolador. Enquanto a Alianza País se autodestrói, nem a oposição conservadora e nem a esquerda tradicional são capazes de posicionar alternativas com certa legitimidade social. A sua vez, o eleitorado é incapaz de distinguir entre as categorias políticas tradicionais de esquerda e de direita, pois logo de uma década de um discurso institucional revolucionário, adornado com velhas canções reivindicativas e alusões a múltiplos mitos revolucionários, resultou que os grupos economicamente mais beneficiados pelo regime foram os de sempre, enquanto a sociedade seguiu muito desequilibrada a favor dos historicamente privilegiados. Assim, denota-se um desinteresse crescente pela política tradicional em setores cada vez mais amplos da sociedade, nos quais a política não é mais discutida em termos de esquerdas e direitas.
Por outra parte, a incapacidade de renovação das lideranças históricas dos movimentos sociais equatorianos segue minando a possibilidade de novas formas de intervenção, a articulação de um discurso diferente e o reposicionamento do não institucional no âmbito da política, ficando esta última limitada às lutas de poder entre e dentro da estrutura partidária, que são disputadas sob o controle de instituições que não foram feitas para transformar a sociedade, senão para resistir às mudanças que a realidade demanda.
Não circulam novas ideias na política equatoriana, e não está sendo alimentada intelectualmente uma sociedade que busca, sem encontrar, estilos diferentes de exercer e atuar na política.
Com tais condições é fácil prever que, diante da ausência de alternativas com alguma credibilidade, se o atual governo não é capaz de concretizar políticas exitosas que dinamizem a economia nacional, gerem emprego digno e revitalizem a capacidade aquisitiva da grande maioria, o Equador estará imerso durante a atual gestão em uma nova crise de representatividade.
Leia também:
Lenín Moreno versus Rafael Correa: a nova disputa de poder no Equador
Vitória do correísmo não fará Equador escapar da regressiva dinâmica continental
Decio Machado é sociólogo e consultor político residente no Equador
Artigo publicado em espanhol no semanário Brecha, do Uruguai.
Traduzido por Raphael Sanz, para o Correio da Cidadania.
A guerra de posições, também conhecida como guerra de trincheiras, foi utilizada como tática militar na guerra de secessão dos Estados Unidos e na guerra russo-japonesa, mas adquiriu seu protagonismo mundial a partir do fracasso da ofensiva relâmpago iniciada na Europa pelos alemães em 1914. A estratégia militar de frentes estáveis imobilizou durante anos os exércitos em linhas de trincheiras. Este novo cenário bélico propiciou uma guerra de desgaste, produziu um elevadíssimo número de baixas e arruinou o moral dos soldados que se viam obrigados a lutar durante anos em penosas condições.
Nas passagens mais lendárias dos seus Cadernos do Cárcere, Antônio Gramsci refletiria sobre estas estratégias de guerra, posição e manobra – defendendo esta última como o assalto -, entendendo o Estado como apenas uma trincheira mais avançada do conjunto de fortificações dos setores populares em sua luta pela hegemonia. Gramsci teve de reler Maquiavel para entender que a hegemonia é a capacidade orgânica dos setores dominantes em convencer as maiorias sociais a aceitarem os relatos que justificam e explicam a ordem política.
A guerra de posições, a disputa pela hegemonia e parte do pensamento estratégico de Gramsci em relação ao funcionamento do poder e o Estado moderno voltaram a tomar atualidade na disputa política existente no Equador.
No final deste mês de outubro, as facções “hard” dos seguidores do ex-presidente Rafael Correa dentro do partido governista, Alianza País – que controla parte importante da direção nacional do mesmo partido – determinou unilateralmente e de forma não regimental a retirada do atual presidente do Equador, Lenin Moreno, da presidência de sua agrupação política e posicionar em seu lugar Ricardo Patiño (que exercia como segundo vice-presidente do partido; já que o primeiro vice-presidente está preso, investigado por corrupção). O objetivo era que se fortalecessem nas trincheiras do aparelho do partido oficialista, com o fim de criar obstáculos às reformas empreendidas pelo atual mandatário e sua equipe de ministros.
Contudo, apenas umas horas depois, vários membros do gabinete presidencial e da burocracia da Alianza País rechaçariam publicamente tal decisão, definindo-a como arbitrária e antidemocrática. Diante da confusão generalizada da militância, simpatizantes e redes clientelistas do partido político hegemônico no Equador, o Tribunal de Garantias Penais deixou – de forma imediata – sem efeito a decisão adotada pela direção nacional do partido, proibindo o Conselho Nacional Eleitoral de inscrever o ex-ministro correísta Ricardo Patiño como novo presidente da Alianza País.
Origens da intentona
O enfrentamento entre correístas e morenistas dentro do partido governista tem sua origem praticamente no mesmo dia da posse do atual presidente, Lenin Moreno.
Isso apesar do fato de que Lenin Moreno foi parte do binômio presidencial de Rafael Correa nas eleições de 2006 e de 2009, exercendo durante ambas legislaturas como vice-presidente da República. Na atualidade, o ex-mandatário equatoriano é o principal opositor do seu governo. Na guerra de trincheiras dentro da Alianza País e nas distintas frentes institucionais, enquanto os partidários de Moreno traçaram uma política de reformas que levam consigo uma narrativa autocrítica a respeito de determinadas políticas públicas aplicadas durante a gestão anterior e a abertura de processos de investigação sobre distintos casos de corrupção institucional, os correístas tentam derrubar a figura do presidente posicionando-o como um traidor que se aliou com a direita.
Nesta disputa que vem ocorrendo nos pouco mais de seis meses de mandato de Moreno, o correísmo – ao menos até agora – aparece como claro perdedor. Enquanto o atual mandatário ostenta elevados índices de popularidade, a figura de Rafael Correa – que deixou uma economia nacional em recessão – acabou seriamente deteriorada, enquanto são destapados cada vez mais casos de corrupção entre os seus colaboradores mais próximos.
O último movimento tático do presidente Moreno foi convocar uma consulta popular sobre as sete propostas, entre as quais se destacam a anulação da emenda constitucional – realizada na última etapa correista – que permite a reeleição indefinida do presidente da República, buscando impossibilitar que Rafael Correa seja candidato presidencial nas próximas eleições; e a reestruturação do Conselho de Participação Cidadã e Controle Social – organismo estatal composto por personalidades ligadas ao ex-presidente – abrindo a possibilidade de avaliar o desempenho das autoridades em organismos de controle do Estado, e cessá-las.
Se aprovadas essas reformas – e todas as sondagens de opinião pública até o momento assim o indicam – o correísmo sofrerá um esvaziamento completo de poder e se anularia qualquer possibilidade futura de uma rearticulação política desta tendência.
E o movimento dos setores correístas dentro da sua organização política, buscando a destituição e posterior expulsão de Lenin Moreno do partido, deve-se justamente à iniciativa do atual governo de levar a cabo tais reformas. Em paralelo, esta fração política está pressionando a Corte Constitucional – cuja composição vem do período anterior e tem afinidade com Correa –, a fim de fazer que tais questões não sejam viabilizadas. De igual maneira, os correístas na bancada oficialista buscam bloquear as iniciativas políticas provenientes do Executivo e o juízo político contra o encarcerado vice-presidente Jorge Glas.
Jogo de estratégias
Sem força política e apoiado somente por um setor de voto duro identificado com seus postulados, o qual se estima entre 20% e 23% do eleitorado, o correísmo é consciente de que o tempo joga contra.
O desenho estratégico do correísmo para tentar destituir Moreno consistia em gerar uma crise política dentro do partido Alianza País que desembocasse em uma convenção nacional extraordinária, a qual, com Rafael Correa à cabeça, permitisse recobrar as rendas do partido e sua hegemonia perdida na política nacional. Contudo, este movimento político criado apenas seis meses antes da sua primeira vitória eleitoral em 2006, e sem bases políticas naquele momento, se construiu verticalmente à sombra do poder, com quadros e caciques políticos de perfil arrivista e fortemente enraizado na tradicional política clientelista equatoriana, elementos que deixaram de ser funcionais ao correísmo uma vez que o ex-mandatário abandonou a poltrona presidencial.
Os resultados deste último pulso político foram devastadores para Rafael Correa: os morenistas anunciaram publicamente que 44 dos 75 congressistas que conformam a bancada oficialista na Assembleia Nacional se alinharam a Lenin Moreno, o que veio a significar que Correa perdeu o controle do Legislativo, enquanto que a maioria das direções provinciais do partido manifestaram rejeição à resolução da direção nacional e seu apoio a Lenin Moreno.
Pese tudo isto, Ricardo Patiño, principal operador político de Correa no país enquanto este segue residindo em Bruxelas, anunciou a pronta chegada do ex-mandatário a terras equatorianas, prevendo que os principais dirigentes correístas que participaram nesta movida podiam ser expulsos pela Comissão de Ética e Disciplina do Alianza País.
Se Rafael Correa volta nos próximos dias ao Equador possivelmente não será para reestabelecer sua liderança no partido que fundou – já que as trincheiras do correísmo no partido e em diferentes instituições têm ficado sumamente debilitadas – senão para liderar a conformação de uma nova organização política buscando confrontar politicamente com o atual governo e opondo-se à consulta popular.
Risco de desgaste
O presidente Moreno soube rentabilizar seu distanciamento de Correa, propondo a necessidade do diálogo e do consenso em uma sociedade que havia ficado fortemente polarizada, e levando a bandeira da luta contra a corrupção. Não obstante, a capacidade de execução política do governo foi limitada: ainda que não se saiba qual seja o caminhar desta legislatura. E ao se tratar de um presidente cuja popularidade se baseia unicamente no discurso, isto começa a gerar certas desconfianças na sociedade.
Por sua parte, tanto Rafael Correa como seus operadores no governo e na Alianza País buscam articular sua estratégia em torno do medo cidadão de uma possível volta do Equador ao passado, algo já utilizado em campanhas eleitorais, uma após a outra, durante a última década.
Trata-se de um argumento pouco consistente se levado em consideração que atualmente no Equador a oposição política a Alianza País não existe. Faz tempo que esta ficou sem espaço no tabuleiro da política nacional. De igual maneira, os movimentos sociais em geral, e indígenas em particular, também ficaram sem voz. Após dez anos de perseguições e criminalização do protesto social, estes movimentos se encontram atualmente imersos em negociações com um governo que ao menos se dispõe a escutá-los.
Assim, o panorama político para o médio prazo no Equador aponta como desolador. Enquanto a Alianza País se autodestrói, nem a oposição conservadora e nem a esquerda tradicional são capazes de posicionar alternativas com certa legitimidade social. A sua vez, o eleitorado é incapaz de distinguir entre as categorias políticas tradicionais de esquerda e de direita, pois logo de uma década de um discurso institucional revolucionário, adornado com velhas canções reivindicativas e alusões a múltiplos mitos revolucionários, resultou que os grupos economicamente mais beneficiados pelo regime foram os de sempre, enquanto a sociedade seguiu muito desequilibrada a favor dos historicamente privilegiados. Assim, denota-se um desinteresse crescente pela política tradicional em setores cada vez mais amplos da sociedade, nos quais a política não é mais discutida em termos de esquerdas e direitas.
Por outra parte, a incapacidade de renovação das lideranças históricas dos movimentos sociais equatorianos segue minando a possibilidade de novas formas de intervenção, a articulação de um discurso diferente e o reposicionamento do não institucional no âmbito da política, ficando esta última limitada às lutas de poder entre e dentro da estrutura partidária, que são disputadas sob o controle de instituições que não foram feitas para transformar a sociedade, senão para resistir às mudanças que a realidade demanda.
Não circulam novas ideias na política equatoriana, e não está sendo alimentada intelectualmente uma sociedade que busca, sem encontrar, estilos diferentes de exercer e atuar na política.
Com tais condições é fácil prever que, diante da ausência de alternativas com alguma credibilidade, se o atual governo não é capaz de concretizar políticas exitosas que dinamizem a economia nacional, gerem emprego digno e revitalizem a capacidade aquisitiva da grande maioria, o Equador estará imerso durante a atual gestão em uma nova crise de representatividade.
Decio Machado é sociólogo e consultor político residente no Equador
Artigo publicado em espanhol no semanário Brecha, do Uruguai.
Traduzido por Raphael Sanz, para o Correio da Cidadania.
Contudo, apenas umas horas depois, vários membros do gabinete presidencial e da burocracia da Alianza País rechaçariam publicamente tal decisão, definindo-a como arbitrária e antidemocrática. Diante da confusão generalizada da militância, simpatizantes e redes clientelistas do partido político hegemônico no Equador, o Tribunal de Garantias Penais deixou – de forma imediata – sem efeito a decisão adotada pela direção nacional do partido, proibindo o Conselho Nacional Eleitoral de inscrever o ex-ministro correísta Ricardo Patiño como novo presidente da Alianza País.
Origens da intentona
O enfrentamento entre correístas e morenistas dentro do partido governista tem sua origem praticamente no mesmo dia da posse do atual presidente, Lenin Moreno.
Isso apesar do fato de que Lenin Moreno foi parte do binômio presidencial de Rafael Correa nas eleições de 2006 e de 2009, exercendo durante ambas legislaturas como vice-presidente da República. Na atualidade, o ex-mandatário equatoriano é o principal opositor do seu governo. Na guerra de trincheiras dentro da Alianza País e nas distintas frentes institucionais, enquanto os partidários de Moreno traçaram uma política de reformas que levam consigo uma narrativa autocrítica a respeito de determinadas políticas públicas aplicadas durante a gestão anterior e a abertura de processos de investigação sobre distintos casos de corrupção institucional, os correístas tentam derrubar a figura do presidente posicionando-o como um traidor que se aliou com a direita.
Nesta disputa que vem ocorrendo nos pouco mais de seis meses de mandato de Moreno, o correísmo – ao menos até agora – aparece como claro perdedor. Enquanto o atual mandatário ostenta elevados índices de popularidade, a figura de Rafael Correa – que deixou uma economia nacional em recessão – acabou seriamente deteriorada, enquanto são destapados cada vez mais casos de corrupção entre os seus colaboradores mais próximos.
O último movimento tático do presidente Moreno foi convocar uma consulta popular sobre as sete propostas, entre as quais se destacam a anulação da emenda constitucional – realizada na última etapa correista – que permite a reeleição indefinida do presidente da República, buscando impossibilitar que Rafael Correa seja candidato presidencial nas próximas eleições; e a reestruturação do Conselho de Participação Cidadã e Controle Social – organismo estatal composto por personalidades ligadas ao ex-presidente – abrindo a possibilidade de avaliar o desempenho das autoridades em organismos de controle do Estado, e cessá-las.
Se aprovadas essas reformas – e todas as sondagens de opinião pública até o momento assim o indicam – o correísmo sofrerá um esvaziamento completo de poder e se anularia qualquer possibilidade futura de uma rearticulação política desta tendência.
E o movimento dos setores correístas dentro da sua organização política, buscando a destituição e posterior expulsão de Lenin Moreno do partido, deve-se justamente à iniciativa do atual governo de levar a cabo tais reformas. Em paralelo, esta fração política está pressionando a Corte Constitucional – cuja composição vem do período anterior e tem afinidade com Correa –, a fim de fazer que tais questões não sejam viabilizadas. De igual maneira, os correístas na bancada oficialista buscam bloquear as iniciativas políticas provenientes do Executivo e o juízo político contra o encarcerado vice-presidente Jorge Glas.
Jogo de estratégias
Sem força política e apoiado somente por um setor de voto duro identificado com seus postulados, o qual se estima entre 20% e 23% do eleitorado, o correísmo é consciente de que o tempo joga contra.
O desenho estratégico do correísmo para tentar destituir Moreno consistia em gerar uma crise política dentro do partido Alianza País que desembocasse em uma convenção nacional extraordinária, a qual, com Rafael Correa à cabeça, permitisse recobrar as rendas do partido e sua hegemonia perdida na política nacional. Contudo, este movimento político criado apenas seis meses antes da sua primeira vitória eleitoral em 2006, e sem bases políticas naquele momento, se construiu verticalmente à sombra do poder, com quadros e caciques políticos de perfil arrivista e fortemente enraizado na tradicional política clientelista equatoriana, elementos que deixaram de ser funcionais ao correísmo uma vez que o ex-mandatário abandonou a poltrona presidencial.
Os resultados deste último pulso político foram devastadores para Rafael Correa: os morenistas anunciaram publicamente que 44 dos 75 congressistas que conformam a bancada oficialista na Assembleia Nacional se alinharam a Lenin Moreno, o que veio a significar que Correa perdeu o controle do Legislativo, enquanto que a maioria das direções provinciais do partido manifestaram rejeição à resolução da direção nacional e seu apoio a Lenin Moreno.
Pese tudo isto, Ricardo Patiño, principal operador político de Correa no país enquanto este segue residindo em Bruxelas, anunciou a pronta chegada do ex-mandatário a terras equatorianas, prevendo que os principais dirigentes correístas que participaram nesta movida podiam ser expulsos pela Comissão de Ética e Disciplina do Alianza País.
Se Rafael Correa volta nos próximos dias ao Equador possivelmente não será para reestabelecer sua liderança no partido que fundou – já que as trincheiras do correísmo no partido e em diferentes instituições têm ficado sumamente debilitadas – senão para liderar a conformação de uma nova organização política buscando confrontar politicamente com o atual governo e opondo-se à consulta popular.
Risco de desgaste
O presidente Moreno soube rentabilizar seu distanciamento de Correa, propondo a necessidade do diálogo e do consenso em uma sociedade que havia ficado fortemente polarizada, e levando a bandeira da luta contra a corrupção. Não obstante, a capacidade de execução política do governo foi limitada: ainda que não se saiba qual seja o caminhar desta legislatura. E ao se tratar de um presidente cuja popularidade se baseia unicamente no discurso, isto começa a gerar certas desconfianças na sociedade.
Por sua parte, tanto Rafael Correa como seus operadores no governo e na Alianza País buscam articular sua estratégia em torno do medo cidadão de uma possível volta do Equador ao passado, algo já utilizado em campanhas eleitorais, uma após a outra, durante a última década.
Trata-se de um argumento pouco consistente se levado em consideração que atualmente no Equador a oposição política a Alianza País não existe. Faz tempo que esta ficou sem espaço no tabuleiro da política nacional. De igual maneira, os movimentos sociais em geral, e indígenas em particular, também ficaram sem voz. Após dez anos de perseguições e criminalização do protesto social, estes movimentos se encontram atualmente imersos em negociações com um governo que ao menos se dispõe a escutá-los.
Assim, o panorama político para o médio prazo no Equador aponta como desolador. Enquanto a Alianza País se autodestrói, nem a oposição conservadora e nem a esquerda tradicional são capazes de posicionar alternativas com certa legitimidade social. A sua vez, o eleitorado é incapaz de distinguir entre as categorias políticas tradicionais de esquerda e de direita, pois logo de uma década de um discurso institucional revolucionário, adornado com velhas canções reivindicativas e alusões a múltiplos mitos revolucionários, resultou que os grupos economicamente mais beneficiados pelo regime foram os de sempre, enquanto a sociedade seguiu muito desequilibrada a favor dos historicamente privilegiados. Assim, denota-se um desinteresse crescente pela política tradicional em setores cada vez mais amplos da sociedade, nos quais a política não é mais discutida em termos de esquerdas e direitas.
Por outra parte, a incapacidade de renovação das lideranças históricas dos movimentos sociais equatorianos segue minando a possibilidade de novas formas de intervenção, a articulação de um discurso diferente e o reposicionamento do não institucional no âmbito da política, ficando esta última limitada às lutas de poder entre e dentro da estrutura partidária, que são disputadas sob o controle de instituições que não foram feitas para transformar a sociedade, senão para resistir às mudanças que a realidade demanda.
Não circulam novas ideias na política equatoriana, e não está sendo alimentada intelectualmente uma sociedade que busca, sem encontrar, estilos diferentes de exercer e atuar na política.
Com tais condições é fácil prever que, diante da ausência de alternativas com alguma credibilidade, se o atual governo não é capaz de concretizar políticas exitosas que dinamizem a economia nacional, gerem emprego digno e revitalizem a capacidade aquisitiva da grande maioria, o Equador estará imerso durante a atual gestão em uma nova crise de representatividade.
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Decio Machado é sociólogo e consultor político residente no Equador
Artigo publicado em espanhol no semanário Brecha, do Uruguai.
Traduzido por Raphael Sanz, para o Correio da Cidadania.