martes, 26 de enero de 2021

Reflexões sobre pandemia, exceções, áreas cinzentas e desdemocratização no Equador

 Carolina Viola

professora da Pontificia Universidad Católica do Ecuador. Pesquisa na Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales no Ecuador e colaboradora da rede Universidade Nômade Sul.

Decio Machado

Consultor internacional em comunicação estratégica, marketing e análise política. Coordenador da rede Universidade Nômade Sul e do Grupo de Estudos de Geopolítica Crítica na América Latina.

Tradução de Vladimir Sibylla

LUGAR COMUM, Rio de Janeiro, n. 59, dez./jan. de 2020


Introdução

A democracia está doente, talvez nunca tenha sido saudável; no entanto, o câncer que hoje a aflige expande-se rapidamente, contaminando todas as suas dimensões e esvaziando de qualquer conteúdo original o governo liberal democrático, usurpando do povo todos os seus atributos como um sujeito soberano (Brown, 2017). Focar a origem dessa doença desdemocratizante na pandemia seria um erro, suas raízes são mais profundas e afligem, em sua própria versão e contexto, todos os cantos da América Latina. Tendências desdemocratizantes têm operado muito antes, diminuindo progressivamente a possibilidade de decidir e administrar o poder do povo, a partir do povo e para o povo. Essas práticas fazem da democracia um significante vazio, que ignora o papel necessário do sujeito democrático por excelência na distribuição do poder político. A relação entre governo e povo é suplantada por um conjunto de interações políticas – mais ou menos legais e parcialmente secretas – que moldam o que Javier Auyero chama de "zona cinzenta das interações políticas" (Auyero, 2007, p.26).

Segundo Brown (2010), o processo de desdesmocratização é resultado da cristalização de um conjunto de forças que operam destruindo e diminuindo toda a capacidade de participação popular. Ao longo deste texto, pretendemos focar em quatro tendências principais. Em primeiro lugar, a tendência à ocupação ou captura, por parte das elites econômicas, nacionais e transnacionais, de espaços relevantes nos processos de governo e tomada de decisão. Em segundo lugar, a delegação de decisões em casos que não haviam sido escolhidos pelo processo democrático e, portanto, não eram responsáveis nem responsivas, mas nomeadas ad hoc para destravar ou evitar discussões e debates próprios das instâncias democráticas. Em terceiro lugar, o peso crescente dos centros de planejamento global de desenvolvimento – ou subdesenvolvimento – que compõem o aparato de saber-poder do capitalismo de matriz ocidental. Em quarto lugar, o desgaste progressivo da democracia aos olhos do povo, o que resulta em um crescente descrédito da política e um franco desinteresse do povo por participar e ser parte ativa de um sistema democrático deficiente.

Argumentamos também que a zona cinzenta das interações políticas se expande vigorosamente alimentada pelas três primeiras tendências e, por sua vez, é decisiva no desaparecimento do sujeito democrático interessado na participação política. Esse desinteresse é o resultado da percepção generalizada da prevalência de relações políticas opacas, pouco legais, pouco éticas, pouco claras e, em última instância, pouco democráticas.

Por fim, este artigo tem como objetivo problematizar sobre as práticas políticas que contribuem para o processo de desdemocratização na América Latina, com base na descrição do caso equatoriano, com ênfase nas decisões que vêm sendo tomadas desde a chegada da pandemia. A partir daí, refletir sobre as novas práticas de controle dos corpos que estão dando forma a novos dispositivos para a gestão populacional, onde a tensão entre o interno e o externo, o nacional e o global são exacerbados e se fazem mais evidentes (Foucault, 2006). O Equador tem sido, no último ano, palco de um levante indígena, de uma pandemia com níveis de mortalidade que lideram tristemente o ranking mundial, bem como o laboratório de aplicação de uma receita neoliberal de crise. Um cenário de exceção permanente, relevante para refletir sobre as tendências que se vislumbram na prática política e de governo de populações na região.

Progressismos do século XXI ou o desmantelamento progressivo das instituições democráticas no Equador

A América Latina experimentou, entre 1989 e 2005, um ciclo apertado de revoltas populares e grandes mobilizações que determinaram, direta ou indiretamente, dependendo dos casos, a queda de uma dezena de presidentes. Três deles no Equador: Abdalá Bucaram, em 1997; Jamil Mahuad, em 2000; e Lucio Gutierrez, em 2005.

Após essa década de convulsões sociais cujos principais atores no campo da resistência foram o movimento indígena e, pontualmente, setores cidadãos urbanos que coincidiram com os primeiros em lógicas de organização horizontal e um formato de tomada de decisão de forma de assembleia e perfil radicalmente democrático no âmbito da plebe, o campo da política foi deixado aberto para a construção de novas ferramentas eleitorais que canalizaram a saída para a crise do sistema.

O descontentamento social acumulado foi capitalizado por uma nova estrutura política – Alianza PAIS – que reproduziu a forma hierárquica clássica de qualquer estrutura partidária, aguçada neste caso pela relação líder-massa que caracterizou o modelo de liderança política durante o recente ciclo progressista no subcontinente e que acabou frustrando lógicas participativas na tomada de decisões que haviam sido forjadas durante o período de resistência.

Os progressismos latino-americanos, conceito usado para definir a esquerda hegemônica continental da época, chegaram aos governos de seus respectivos países por via eleitoral e com o aval de grandes maiorias que lhes permitiram governar sempre sozinhos. Seu papel, uma vez no poder, foi restaurar a estabilidade política sem questionar a essência do sistema, fortalecendo o aparato estatal, convencidos de que o Estado é a ferramenta certa para conduzir as reformas políticas que julgavam apropriadas. No Equador a situação não foi diferente, uma poderosa articulação social convertida em contrapoder acabou reconduzida à gestão institucional, com o público sendo entendido a partir de uma perspectiva puramente estatal (Machado e Zibechi, 2017), sob a égide de uma nova estrutura política, mas reproduzindo formas organizacionais clássicas que foram apresentadas sob o selo do antineoliberalismo.

Os dez anos do governo de Rafael Correa no Equador que se seguiram a esse momento poderiam ser resumidos da seguinte forma: reposicionamento e fortalecimento de um Estado que havia sido muito enfraquecido pela fase neoliberal anterior; implementação de políticas sociais compensatórias – transferências monetárias do superávit estatal para setores historicamente esquecidos – como eixo da nova governabilidade; aplicação de um modelo hiper extrativista para a exportação de commodities como base da economia nacional; modernização do Estado e realização de grandes obras de infraestrutura; construção político-simbólica de mitos relacionados a uma lógica de culto à personalidade do líder; bem como a implantação de um modelo evolutivo de disciplinarização e controle social, tanto a partir de seus aspectos repressivos, como culturais. Em referência a este último, estamos testemunhando uma combinação das duas formas básicas de poder trabalhadas na ciência política, de Maquiavel a Max Weber: o poder como capacidade de intimidação – capacidade de violência –, mas o poder também como capacidade de influência e persuasão – organização das mentes. Neste último, o conceito de hegemonia desenvolvido por Gramsci seria estrategicamente construído.

Em 2008, o Equador lançou uma nova Constituição que, longe de representar uma ruptura insurgente que rompeu drasticamente e definitivamente com o sistema legal pré- existente, acabou facilitando a dissolução das diferenças entre poder e governo.

O fato desse ciclo progressista fazer parte da chamada "década de ouro" ou "boom das commodities" significa que foram construídos axiomas que não estão em conformidade com a realidade, sendo, por sua vez, um indicador do estado de saúde em que o pensamento crítico latino-americano está localizado no momento.

O eufemisticamente chamado governo da revolução cidadã fez com que muitos dos atores, antes da oposição, tomassem parte do aparato de poder. Isso implicou o enfraquecimento do tecido social ativista, levando uma energia popular poderosa e autônoma forjada a partir da multidão para estruturas imóveis sem capacidade de evoluir, como as derivadas do sistema de representação – a política institucional. Do antiestatal e dos antipartidos, por exemplo a articulação de parlamentos indígena-populares em 2000, aconteceu a reconstrução estatal a partir de uma visão instrumental do Estado.

Os novos gestores reposicionaram o papel do Estado na economia, recuperaram o planejamento central e administraram grandes empresas públicas de hidrocarbonetos, bem como investimentos milionários em infraestrutura. A inegável melhoria geral dos padrões de vida populacional, o aumento do investimento social em saúde e educação, o reconhecimento institucional da diversidade étnica e certos avanços de gênero foram acompanhados de uma lógica de convivência diária entre a nova burocracia estatal progressista e o poder das elites econômicas – tanto com grupos econômicos tradicionais quanto emergentes. Tudo isso foi feito sem afetar os players do mercado e a matriz de acumulação econômica herdada do período neoliberal anterior.

Na prática histórica, a construção de Estados fortes tem se mostrado a melhor opção para resolver o conflito entre elites em favor de grupos emergentes (Wallerstein, 1998), apesar da desconfiança e das resistências instaladas das elites tradicionais foi gerada uma nova casta gestora do Estado que ocupou seu espaço sem por isso comprometer a lealdade à ortodoxia neoliberal dos mercados internacionais e ao sistema tradicional instalado no sistema democrático liberal para tomada de decisão.

No entanto, o progressismo equatoriano era mais político do que econômico. É por isso que a liderança populista de Rafael Correa foi estabelecida sob um modelo que acabou adotando a lógica do autoritarismo baseado no consenso. Em suma, o que se estabeleceu foi uma relação de poder marcadamente assimétrica entre um líder/guia altamente inspirado e uma massa de seguidores que reconheceram nele e em sua mensagem neodesenvolvimentista a promessa de articulação de uma nova ordem mais justa e equitativa para o país.

No entanto, o neodesenvolvimentismo equatoriano, assim como o latino- americano, foi visivelmente menos transformador do que os antigos desenvolvimentos populistas de meados do século passado. Enquanto os regimes populistas do século XX geravam certos níveis de industrialização, a consolidação das relações capitalistas nas áreas rurais e a "modernização" do mercado de trabalho, o neopopulismo do século XXI exacerbava a dependência econômica da região nos mercados especulativos de commodities, reprimarizando as respectivas economias nacionais em busca de maior renda extrativa e tributação. O método teve um impacto positivo sobre o Equador, o que ficou evidente em seus indicadores socioeconômicos, porém esse processo mostrou-se efêmero, pois estava ligado aos incontroláveis ciclos econômicos globais.

O modelo de gestão correista foi um expoente do papel questionável que joga o controle das instituições estatais e das empresas públicas na formação de novos grupos de poder que, posteriormente, buscam seu reposicionamento entre as elites.

Por sua vez, o correismo entendeu a democracia de forma minimalista, esvaziando-se de conteúdos através das políticas clientelistas para as outrora vigorosas organizações populares, ao mesmo tempo em que estabelecia uma lógica de governamentalidade foucaultiana baseada nas relações assimétricas do Executivo em relação ao resto dos poderes do Estado.

A legitimidade social do sistema entrou em crise quando a queda dos preços das commodities afetou a economia equatoriana e a perda da soberania monetária, como resultado da dolarização1, não permitiu que medidas de desvalorização (1) aumentassem a competitividade. Nessas condições vieram as eleições de 2017, onde o regime foi forçado a apresentar uma proposta de reeleição presidencial, dada a proibição constitucional da reeleição.

O atual representante, Lenín Moreno, foi inicialmente apresentado na continuidade do regime. Foi necessário um segundo turno nas eleições para consolidar seu triunfo, evidenciando a perda de apoio popular em relação aos indicadores que o progressismo equatoriano havia conquistado nas eleições anteriores.

A falta de homogeneização ideológica dentro do Alianza PAIS e a formação de um fraco programa eleitoral com perfil interpretativo, causaram a implosão do partido sem a liderança carismática de Rafael Correa no poder. A ruptura política entre o ex-presidente Correa e seu sucessor na cadeira presidencial foi consolidada muito rapidamente. A nova equipe de gestores estatais passou a experimentar alternativas políticas mais liberais na busca por soluções econômicas para a crise.

De fato, desde o fim da era da bonança econômica e do excedente extrativista estatal em 2014 – a última etapa da gestão governamental correista – até os dias atuais, a economia nacional está semiestagnada. O rendimento médio que existia em 2014, US$ 6.347 por ano, inclusive se retraiu, o "emprego informal" cresceu exponencialmente reduzindo o "emprego formal" a níveis anteriores à chegada de Rafael Correa ao poder. As atividades produtivas estão estagnadas e o desemprego aumenta, sendo os empregados privados e os trabalhadores por conta autônoma os grupos mais afetados. Os processos de circulação da economia equatoriana refletem uma grave deterioração, tanto pela queda dos rendimentos gerados pelas atividades de atacado e varejo, quanto pela queda dos preços ou deflação, resultado da demanda doméstica diminuída que agora é exacerbada pela pandemia. Paralelamente, no nível externo, a circulação de dólares tem sido enfraquecida pela queda das exportações de petróleo e pela estagnação das exportações não petrolíferas, complicando significativamente a capacidade do país de responder aos seus compromissos respectivos à dívida.

No entanto, como contraste a tudo o que foi dito antes, setores econômicos, como o bancário e outros grandes capitais, mantiveram lucros milionários, apesar da estagnação, enquanto a situação geral agrava a alta desigualdade tanto na renda quanto na propriedade da terra e nos ativos corporativos.

A explosão de outubro: ressignificações populares da democracia

2019 será um ano difícil, onde a crise econômica, mas também política e social, se sentirá forte, tornando-se uma constante no cotidiano da população. Em nome da crise, o governo de Moreno defenderá a adoção de medidas duras contra os trabalhadores, urbanos e rurais, ameaçando especificamente suas chances de reprodução material e sobrevivência diária. Essas decisões, tomadas em um contexto de sigilo e opacidade, destacarão a complexa rede de interações políticas que havia sido estabelecida entre as elites e o governo.

A austeridade do Estado implicou cortes sistemáticos nos orçamentos e no pessoal de todos os setores, traduzindo-se automaticamente na dramática redução da quantidade e da qualidade dos serviços sociais. Os planos de austeridade e equilíbrio fiscal defendidos pelo governo responderam às condições impostas pelo Fundo Monetário Internacional, que sob o eufemismo da organização das finanças públicas exigiu cortes nos gastos públicos como um passo antes da alocação de um grande resgate econômico.2

As decisões serão tomadas a portas fechadas e sem discussão pública prévia por um comitê técnico ad hoc composto por representantes do governo, setores empresariais e bancos nacionais e multilaterais. Uma prática que lembra as negociações com as instituições de Bretton Woods dos anos 1990 que, seguindo as indicações do autodenominado Consenso de Washington, mergulharam o país em uma crise econômica, política e social catastrófica.

Em ambos os casos as decisões mostraram-se coerentes com a dinâmica desdemocratizadora que sempre ameaçou as democracias latino-americanas. Longe dos olhos do povo, a decisão do ajuste econômico foi tomada a portas fechadas na carteira financeira3, com a participação de câmaras empresariais, representantes dos bancos nacionais e multilaterais. As decisões serão resultado de interações políticas cinzentas e pouco transparentes que foram estabelecidas entre as elites e o poder político.

Assim, os eventos de outubro daquele ano ocorrerão em meio a um clima rareado por sentimentos de engano, aliado às preocupações com as reais possibilidades de reprodução diária dos mais pobres e excluídos em um ambiente de incerteza generalizada na população. As instituições democráticas serão desafiadas, com um governo de discursos esgotados e desempenho econômico profundamente questionado. Enfraquecido por sua incapacidade e constrangido pelo contexto econômico pós-boom das commodities, o governo abriu as janelas para a eclosão de protestos sociais.

O anúncio da eliminação dos subsídios aos combustíveis, bem como a introdução de outras medidas que se ensanhavam particularmente com os salários dos trabalhadores públicos, serão confrontados com a resposta do movimento indígena, dos sindicatos e da associação de transportes. Esta última convocará uma paralização total em 3 de outubro. A greve encontrou o apoio de estudantes universitários, sindicatos e outros setores sociais que se juntarão aos protestos. O acúmulo de descontentamentos em relação à corrupção imperante, à política econômica do governo e à ausência de qualquer gestão política autônoma para com as elites serviu de combustível para a mobilização.

A negociação de benesses corporativas com as associações de transportadoras foi rapidamente superada; a multidão assumiu o destaque da revolta com as mobilizações nas ruas. O movimento indígena, apoiado por suas bases na Serra Central e na Amazônia, esteve na vanguarda, transformando a revolta em um levante indígena e popular. Grandes áreas do centro de Quito ganharam vida nova durante os dias dos protestos, ressignificando esses espaços urbanos como símbolo de resistência e luta popular.

Das montanhas e colinas que povoam a Serra Central do Equador, mulheres e homens, jovens e crianças desceram para estrelar a primeira revolta indígena e popular do século XXI. O histórico Parque El Arbolito, localizado próximo ao centro histórico, ganhou uma nova vida ao longo dos dias dos protestos. O centro da cidade será novamente ressignificado como um espaço de luta popular e lugar das novas resistências; indígenas, ambientalistas, feministas, estudantes, proletários, informais questionando a essência desse poder político elitista e colonial.

O governo, incapaz de entender e parar a raiva popular, decretaria estado de emergência em todo o território nacional. Os poderes fáticos que controlam a comunicação observariam horrorizados as multidões exercerem seus atributos, construindo – de forma fictícia – um relato dos fatos próximos ao poder. A manipulação da comunicação e das histórias não passará despercebida na população; segundo o instituto de pesquisas CEDATOS, em estudo publicado em novembro de 2019, durante os protestos a aprovação da gestão do presidente caiu para 12% e a mídia obteve uma avaliação negativa de 47,8% da população.Essa tendência vem crescendo, em setembro de 2019 a aprovação da gestão do presidente será de apenas 6,2% segundo a mesma fonte.A territorialização dos protestos acrescentou características particulares a essas mobilizações. O perfil territorial que caracteriza as reivindicações de autonomia que vêm dos territórios indígenas, estava na territorialização de uma Quito queimada por protestos. Durante nove dias a geografia da capital foi transformada, a centralidade política deixou o palácio do governo e mudou-se para a mobilização e acampamento de áreas do movimento indígena, gerando novos cenários para a formação de assembleias populares contínuas. Da mesma forma, as universidades se transformaram em centros de acolhida, descanso, cuidado e refúgio para os mobilizados. Os limites e rotas de circulação diária foram ressignificados e redefinidos, tendo como centralidade o espaço e os tempos do protesto. Com o passar dos dias se espalhou pelos bairros da capital, colocando o

governo nacional em xeque.
A resposta foi violenta, desdobrando-se o aparato repressivo do Estado e

fornecendo à capital uma paisagem de guerra. A estratégia de isolamento da capital, através de toques de recolher e implantação de dispositivos militares, mostrou-se infrutífera6; as mobilizações continuariam a aumentar em intensidade e radicalidade, forçando o governo a uma negociação pública retransmitida em tempo real na TV na tarde de 13 de outubro de 2019. Uma demanda que buscava retirar as negociações da zona cinzenta, mostrando que as interações políticas são possíveis à luz do dia. Após um debate devastador em nome dos mobilizados, o decreto 883será revogado e um acordo será estabelecido para iniciar um diálogo nacional. A liderança indígena acabaria com a revolta e pediria um retorno às suas comunidades.

O diálogo prometido com os setores sociais para a revisão das medidas econômicas foi manchado por uma campanha de repressão e descrédito do Estado contra as figuras mais visíveis da revolta, bem como contra organizações sociais que manifestaram seu apoio. Prisões, detenções e revistas serão uma parte fundamental dos dispositivos repressivos implantados pelo governo. Isso se somará a um investimento significativo – em um contexto de crise – para a compra de equipamento policial e militar antimotim. O discurso oficialidentificará como inimiga a cidadania sob o conceito ambíguo de subversão, que ser agudizará com a chagada da pandemia COVID-19 no final de fevereiro de 2020.

Pandemia e desigualdade: Guayaquil

O governo levaria até 16 de março de 2020 para decretar estado de emergência em todo o território nacional para lidar com a COVID-19. O vírus, importado da Europa pelas classes altas da cidade de Guayaquil que passavam férias por lá, expandiu-se pelos bairros onde vivem os trabalhadores que prestam serviços nas casas da burguesia.

Guayas é uma província de 3.645.483 habitantes, mais de três quartos da população concentrados na cidade de Guayaquil (INEC, 2020). Os dados socioeconômicos da cidade a colocam no extremo da desigualdade; em um país profundamente desigual, Guayaquil lidera a lista: segundo lugar nacional por renda – atrás apenas de Quito – e o primeiro lugar em níveis de desigualdade. Uma desigualdade rude, onde enormes mansões com piscinas e quadras de tênis erguem-se em frente às barracas do outro lado da margem do estuário que atravessa toda a cidade, dividindo-a geograficamente e, acima de tudo, socialmente.

As restrições de mobilidade impostas pelas autoridades destacaram as lacunas que afetam a população em todo o país. Massas de populações vulneráveis, com economias precárias ligadas ao comércio informal e sem qualquer capacidade de poupança, foram encurraladas aos limites da miséria como resultado da pandemia9.

O resultado dessa combinação não poderia ser mais dramático. As imagens que circulavam pelo mundo com cadáveres abandonados nas ruas e necrotérios saturados. Guayaquil seria renomeada como a Wuhan latino-americana. Além disso, seria acrescentado o enfraquecimento do institucional atormentado por práticas políticas corruptas, evidente nos escândalos de tráfico de influência e superfaturamento nos processos de compras públicas de suprimentos hospitalares destinados ao enfrentamento da pandemia10. Este será mais um golpe à institucionalidade, aprofundando a desconfiança e a rejeição da população com relação à classe política e às autoridades.

Um dos maiores desacertos do governo em toda a pandemia tem sido a gestão dos dados e dos números de forma pouco transparente e, no mínimo, apresentando um cenário distante da realidade observada e vivida pela população. Por um lado, a incapacidade ou a relutância em mostrar os números reais do impacto da pandemia contribuíram para diminuir a legitimidade dos porta-vozes governamentais: a subnotificação de falecidos e infectados se evidenciava nas pilhas de mortos abandonados nos hospitais de Guayaquil. Por outro lado, os dados recitados pelos porta-vozes do governo foram um insulto às famílias que ainda procuravam seus mortos entre cadáveres empilhados11 e em processo de decomposição12.

Por sua vez, as autoridades governamentais transferiram a culpa por sua má gestão para a indisciplina e a falta de compromisso cívico dos cidadãos. A partir desse relato, o Estado tentaria legitimar o uso desproporcional da força contra a população, classificado com base em danos étnicos e de classe. É assim que o Estado aprofundará ainda mais o processo de normalização do disciplinamento social e do uso da violência, dando tonalidades autoritárias e antidemocráticas ao modelo de governamentalidade vigente. A demografia pós-pandemia torna-se fundamental na administração e implantação desses dispositivos legais, disciplinares e de segurança para a administração da população.

O novo normal: uma cidade sem atributos

Em 4 de maio de 2020 as autoridades do governo proclamaram o início de uma "nova normalidade no Equador". As declarações da ministra de Estado justificaram a retomada econômica argumentando que "não podemos permanecer presos em casa (...) agora a responsabilidade é dos cidadãos” 13. Essa nova normalidade envolveu o retorno de milhares de trabalhadores às suas fábricas e escritórios, no entanto, não envolveu o fim do estado de emergência que foi repetidamente renovado até o último vencimento permitido pela Constituição, em 15 de setembro de 2020. Na nova normalidade, sustentada pela pressão das câmaras empresariais e não pelas recomendações das mesas técnicas de médicos formadas em vários governos locais, a curva de contágio e mortalidade permanece alta, não diminuiu e apresenta aumentos periódicos principalmente nos centros urbanos e, em particular, nas cidades de Quito e Guayaquil.

A reativação também envolveu a ativação dos processos de demissões, liquidação de empresas e fechamento de negócios em todos os pontos da cidade. Um dos setores mais afetados será o setor de serviços de turismo e hotelaria. Diante da difícil tarefa de estabelecer um equilíbrio que possa dividir, de forma justa – a cada um de acordo com sua resiliência –, os custos da pandemia o Estado agirá com sua coerência habitual, inclinando a balança de forma mais do que desproporcional em benefício das elites. A profunda desigualdade econômica e social que caracteriza o Equador foi exacerbada pela pandemia, determinando dessa forma as reais possibilidades de superação ou apoio a essa complexa situação a longo prazo. Assim, a adoção da paradoxalmente denominada Lei de Apoio Humanitário ocorre no contexto de uma intensa discussão entre os setores sociais, e uma baixa disposição de escuta por parte das autoridades.

A negociação política que determinou as decisões ocorre, mais uma vez, como mostram os resultados, na zona cinzenta das interações políticas entre o governo e as elites. Da mesma forma, com a opacidade habitual, o aparato de negociação do executivo comprará as consciências em saldo dos deslegitimados representantes que ainda se sentavam – ou dormiam – na Assembleia Nacional. O custo político desta decisão antipopular não se fará esperar; em setembro de 2020, o instituto de pesquisas CEDATOS colocou a aceitação da gestão presidencial em 6% e a dos membros da assembleia em 2%. Esses números indicam fortemente a escassa aceitação e legitimidade das autoridades políticas responsáveis. Esses níveis de deslegitimação do sistema político no contexto da pandemia beiram perigosamente a margem crítica que pode colocar a estabilidade do sistema político em crise.

A Lei Orgânica do Apoio Humanitário legisla sobre as seguintes questões: redução da jornada de trabalho e dos acordos entre empregado e empregador, regulamentação do teletrabalho e o estabelecimento do direito à desconexão, regulamentação das demissões de força maior, facilidades para a implantação de novos empreendimentos, prorrogação da cobertura da segurança social em até 60 dias após a última contribuição, prorrogações no pagamento de dívidas, congelamento e redução de pensões educacionais, acordos de pagamento para empresas, negócios e pessoas, prioridade de créditos de pensão alimentícia e suspensão do despejo no aluguel.

Na prática, a lei estabelece uma série de facilidades para a demissão e a precarização das condições de trabalho e dos direitos adquiridos. Mesmo quando se trata da proteção dos direitos, como poderia ser o caso da regulamentação do teletrabalho, a facilidade dos empregadores de executar as demissões e estabelecer unilateralmente reduções de jornada de trabalho colocam o trabalhador em uma posição muito vulnerável para exigir respeito por seus direitos; a livre negociação entre as partes, em um contexto de profunda assimetria, inclina a balança em favor do empregador. No entanto, nesta feira livre dos direitos dos cidadãos, os bancos serão os principais beneficiários; a lei estabelece a livre renegociação das dívidas dos bancos privados com seus devedores, que aproveitará a urgência de prorrogar os prazos de pagamento através do cálculo de reajustes com juros draconianos. Os resultados dessa liberdade pesarão, mais uma vez como esperado, sobre os bolsos desgastados dos cidadãos e os remanescentes de sua violentada subjetividade democrática.

Finalmente, a rejeição desta democracia que expropria o povo de seus atributos, impossibilitando o pleno exercício de sua soberania, é evidente na apatia generalizada ao processo eleitoral convocado para domingo, 7 de fevereiro de 2021, onde serão eleitos os chefes do governo: presidente e vice-presidente, e os representantes que ocuparão os assentos nacionais e provinciais no legislativo. Inversamente proporcional à relevância da eleição é o interesse expresso pelos cidadãos; de acordo com o relatório do instituto de pesquisas CEDATOS (2020), apenas 20% da população estão muito interessados no processo eleitoral e 49,7% relatam, a apenas 4 meses do dia da eleição, não ter interesse algum no processo.

Em que estado a democracia está no Equador14

A evolução das práticas governamentais nos últimos meses tem destacado a necessidade de as elites estabelecerem mudanças na governamentalidade que normalizem a estrutura das desigualdades, por meio da reatualização dos dispositivos legais, de segurança e de disciplinamento populacional. Embora esse processo não comece com a pandemia, no contexto da crise sanitária se acelera a formação de um Estado de segurança cada vez mais distante da ideia de governo popular.

Em suma, podemos dizer que as democracias latino-americanas pós-pandemia se apresentam fracas nas práticas democráticas e populares, e intensas em práticas desdemocratizantes controladas pelas elites. Encontrar-nos-íamos frente à normalização de um modelo autoritário de governamentalidade, que mina os fundamentos da governamentalidade democrática. Uma democracia que tem sido perseguida, com muita fadiga e de forma nada linear, desde a década de 1980.

No Equador, essa inclinação para práticas autoritárias e antipopulares acelerou exponencialmente as tendências desdemocratizantes, retrocedendo rapidamente conquistas e direitos alcançados nas últimas décadas no exercício do poder desde o povo. Neste artigo, propusemos a existência de quatro tendências que consideramos necessárias para a aceleração, e tomadas em sentido inverso também a reversão, do processo desdemocratizador.

Em primeiro lugar, vemos como as instâncias técnicas de tomada de decisão criadas ad hoc se multiplicam em número e relevância, sem o peso da responsabilidade e da responsividade das instituições democráticas. A relocalização dos espaços decisórios em instituições que podem ser controladas pela população, seja de forma indireta – por meio de órgãos de controle – como diretas – exercendo diretamente o controle social sobre as ações dos governos e instituições públicas – é vital se queremos devolver o poder ao povo. Da mesma forma, é importante questionar e exigir a remoção do véu técnico das decisões que afetam a vida dos cidadãos. Isso implica um questionamento das hierarquias de poder sobre as quais se baseia o acesso e a possibilidade de produção de conhecimento na sociedade.

Em segundo lugar, as demandas dos bancos multilaterais – FMI, mas também outros credores e detentores de títulos – se porão acima da população, acelerando o pagamento do serviço da dívida sem reparar as necessidades de saúde, educação e alimentação básica dos cidadãos. Os bancos globais suplantam o povo diminuindo seus atributos, ignorando as demandas das mobilizações de outubro. As conquistas feitas nas lutas populares são revertidas traindo-se, mais uma vez, as pessoas por quem afirmam governar. Da mesma forma, a legitimidade desta decisão será manchada pela migração do ministro da Economia e Finanças para um alto cargo na banca internacional de desenvolvimento ignorando a proibição constitucional; essas ações, que cheiram a portas giratórias, levam a população a questionar a prioridade de antecipação das parcelas do serviço da dívida – que posteriormente foram adiadas como medida de apoio aos devedores no âmbito da COVID-19 – sobre os salários dos professores, trabalhadores da saúde e outros funcionários públicos que são indispensáveis no contexto atual.

Em terceiro lugar, a repressão e a violência contra as populações mais vulneráveis são normalizadas; a perda de direitos e condições para sua garantia é ainda mais rápida, infectando a população de forma mais eficiente do que a pandemia. Assim, os aparelhos repressivos estatais tornam-se um objetivo prioritário dos esforços de investimento público, mesmo em um momento de crise no sistema de saúde e de segurança social. A normalização da violência estatal se reflete, por sua vez, na normalização da violência social, alterando o fino equilíbrio que a segurança permite.

Finalmente, às portas de um novo processo eleitoral, a população não tem expectativa com respeito à política e às instituições democráticas formais. A zona cinzenta das interações políticas deixou as margens do Estado e ocupa o centro da política, afetando profundamente a legitimidade das instituições democráticas, transformando-as em um contêiner vazio. É só esperar para ver se essa ausência de democracia institucional pode ser aliviada pelas multidões nas ruas.

Notas: 

A economia equatoriana foi dolarizada em 9 de janeiro de 2000 pelo então presidente Jamil Mahuad, após uma grande crise econômica e inflacionária. O impacto da dolarização envolveu a perda da soberania monetária, bem como um aumento exponencial dos níveis de migração equatoriana para outros países, estimados em cerca de dois milhões de pessoas, e o colapso das classes médias devido à perda do valor de suas economias e salários.

Na época, o FMI negociava empréstimos com o governo equatoriano no valor de US$ 4,2 bilhões sob a condição de um ajuste estrutural focado na redução do déficit público.

É importante ressaltar que a pasta das Finanças se encontrava ocupada por um ex-presidente da Câmara de Indústria e Produção do Equador e do Comitê Empresarial equatoriano. O economista Richard Martinez atuou como ministro das Finanças até outubro de 2020. Dias depois de deixar o cargo ele foi nomeado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento como vice-presidente dos países membros, embora o artigo 153 da Constituição equatoriana proíba expressamente esse trânsito de altos funcionários financeiros para altos cargos bancários internacionais. Diante da questão levantada junto à opinião pública pela nomeação, o ex- funcionário declarará que não está violando a Constituição porque, a seu critério, o BID "não é um órgão que capta e empresta recursos como banco comercial", e "não se qualifica como credor do país porque não é para fins lucrativos e não persegue os interesses dos acionistas privados". Além das elaboradas justificativas técnicas jurídicas usadas para esconder uma violação óbvia da Constituição, estamos na complexa área cinzenta onde ocorrem processos de captura estatal, com base na ocupação direta de elites de cargos públicos de alto nível e na ação de portas giratórias que aproximam o governo dos interesses empresariais nacionais e globais e o afastam cada vez mais das demandas do povo.

Esses dados foram publicados pelo CEDATOS em 15 de novembro de 2019. Eles também foram incluídos em um artigo na revista digital Primicias, em 18 de novembro de 2019: https://www.primicias.ec/noticias/politica/ffaa-policia-instituciones-mejor-evaluadas-tras-protestas- octubre/?fbclid=IwAR1-b2XIZvU7zqtSIBrAKcWbiM9etdTxTplmbhLppdpnD_lYav7jK3hXBfc

Em setembro de 2020, o CEDATOS publicou um novo relatório com um balanço da opinião pública para o período setembro de 2019 – setembro de 2020.

De acordo com a Human Right Watch: "Durante os protestos de outubro, agentes das forças de segurança equatorianas usaram excessivamente a força contra manifestantes e jornalistas (...) Das 11 pessoas que morreram no contexto dos protestos, pelo menos 4 teriam sido mortas pela ação de membros das forças de segurança."

O Decreto Executivo no 883 foi emitido em 1o de outubro de 2019 e eliminou o subsídio aos combustíveis.

A este respeito, Oswaldo Jarrín, ministro da Defesa do Equador, declarou em 7 de dezembro de 2019: "(...) protestos se deram com a presença da insurgência. Não só tiramos uma lição, mas aplicamos uma reação. A diretiva do Ministério da Defesa é lidar com esse tipo de conflito interno que é como uma insurgência e nada mais é do que grupos sociais de vários tipos que estão organizados, se valem do conflito interno, da rebelião, da violência criminal, de atos de terrorismo para quebrar a ordem constitucional e democrática e tirá-la do Governo; isso se chama insubordinação e insurgência”.

O empobrecimento da população é o cenário para o Equador. De acordo com relatório publicado pela CEPAL em abril, o país deve fechar com um PIB negativo de -6,5%; um dos piores desempenhos econômicos da região. (CEPAL, 2020).

10 O jornal espanhol El País publicou em 4 de junho de 2020: "Uma onda de casos de corrupção atinge o Equador em meio à pandemia".

11 A resposta das autoridades locais e das elites foi doar caixões de papelão para enterrar os mais pobres, condenados a viver e morrer em caixas de papelão.

12 Em 4 de maio de 2020, o Diario El Comercio publicou a seguinte nota: "237 corpos em decomposição foram encontrados em contêineres perto de um hospital em Guayaquil; 131 deles não identificados."

13 Declarações da ministra María Paula Romo à mídia. Romo é a principal responsável política dos excessos de violência policial em outubro de 2019.

14 Referimo-nos aos textos escritos por Agamben, Brown, Rancier, Luc Nancy entre outros, e compilados no texto “Democracia em que estado?”.

Referências

Agamben, G. (2014). Estado de excepción: Homo sacer, II, I (F. Costa & I. Costa, Trads.).

Agamben, Giorgio, Et. al. (2010) Democracia ¿En qué Estado?. Prometeo Libros. Buenos Aires.

Auyero, Javier (2007). La zona Gris. Violencia colectiva y política en la Argentina contemporánea. Siglo XXI editores, Buenos Aires, Argentina.

Brown, Wendy. (2010). "Hoy en día, somo todos demócratas". En: Giorgio Agamben et. Al. Democracia ¿En qué Estado? Prometeo Libros. Buenos Aires.

Brown, Wendy, (2017). "La destrucción de la democracia y la reconstrucción neoliberal del Estado y del sujeto". En: El pueblo sin atributos. La secreta revolución del neoliberalismo. Malpaso. México.

CEDATOS. (2020). Opinión de la población entre septiembre de 2019 y septiembre de 2020. Disponible en: https://cedatos.com.ec/blog/2020/09/19/cedatos-opinion-de-la- poblacion-entre-diciembre-2019-y-septiembre-2020/

CEPAL. (2020) Informe Especial N. 2, COVID-19. Dimensionar los efectos del COVID- 19 para pensar en la reactivación. Abril.

Diario El País. (2020). “Una oleada de casos de corrupción golpea Ecuador en medio de la pandemia. Disponible en: https://elpais.com/sociedad/2020-06-05/una-oleada-de- casos-de-corrupcion-golpea-ecuador-en-medio-de-la-pandemia.html. Consultado el: 09/06/2020.

Diario Expreso (2019). Oswaldo Jarrín: “Las protestas de octubre llegaron a nivel de insurgencia”. Disponible en: https://www.expreso.ec/actualidad/oswaldo-jarrin- protestas-octubre-insurgencia-980.html . Consultado el: 09/06/2020.

Diario El Comercio (2020). “237 cadáveres en descomposición se hallaron en contenedores cerca de hospital en Guayaquil; 131 de ellos sin identificar”. https://www.elcomercio.com/actualidad/cadaveres-descomposicion-guayaquil-covid19- contenedores.html

Foucault, Michel (2006) Seguridad, Territorio, Población. Curso del Collège de France (1977-1978). Fondo de Cultura Económica. México D.F.

Human Right Watch. (2020) Ecuador: Lecciones de las Protestas de 2019 Fuerza excesiva, muertes y arrestos arbitrarios; Violencia de manifestantes. Disponible en: https://www.hrw.org/es/news/2020/04/06/ecuador-lecciones-de-las-protestas-de-2019 

Instituto Nacional de Estadísticas y Censos del Ecuador. Página oficial: https://www.ecuadorencifras.gob.ec/institucional/home/

Los Angeles Time. (2020). Ya no hay cuerpos en las calles, pero el coronavirus sigue golpeando a Ecuador con fuerza desproporcionada. https://www.latimes.com/espanol/internacional/articulo/2020-04-28/ya-no-hay- cuerpos-en-las-calles-pero-el-coronavirus-sigue-golpeando-a-ecuador-con-fuerza- desproporcionada

Orwell, George. (1945). Rebelión en la granja. Edición Digital. Disponible en: https://books.google.com.ec/books/about/Rebeli%C3%B3n_en_la_granja.html?id=BP7J BgAAQBAJ&printsec=frontcover&source=kp_read_button&redir_esc=y#v=onepage& q&f=false

Primicias. (2019). “FF.AA. y Policía son las mejor evaluadas tras las protestas de octubre”. Consultado el 10/11/2020. Disponible en: https://www.primicias.ec/noticias/politica/ffaa-policia-instituciones-mejor-evaluadas- tras-protestas-octubre/?fbclid=IwAR1- b2XIZvU7zqtSIBrAKcWbiM9etdTxTplmbhLppdpnD_lYav7jK3hXBfc

Registro Oficial del Ecuador. Ley Orgánica de apoyo humanitario para combatir la crisis sanitaria derivada del Covid-19. 22 de junio, 2020. Disponible en: https://www.emov.gob.ec/sites/default/files/transparencia_2020/a2_41.pdf

Vanguardia. (2020). “Pista invadida para impedir un aterrizaje de Iberia”. Consultado el 05/06/2020. Disponible en: https://www.lavanguardia.com/internacional/20200319/474256283106/aeropuerto- ecuador-guayaquil-coches-aviones.html


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